Corda Bamba

Carta Trimestral – Jul-Set/2021

O último capítulo da saga global pela volta à “normalidade” nos apresentou desafios formidáveis. A nível global, a principal questão segue sendo a disrupção de importantes cadeias de valor, o que vem sendo chamado de um “choque de oferta”. A dificuldade de abastecimento que já vinha sendo observado em alguns setores como veículos, chips e frete marítimo, tem se espalhado para outros setores, em especial o de energia (de maneira desigual entre países). Além da redução da atividade econômica, esta situação tende a agravar o problema da inflação, preocupando os mercados.

No Brasil, os últimos três meses trouxeram uma série de notícias ruins do ambiente político e institucional. O mau humor nos mercados começou ainda em junho, com a entrega da segunda fase da reforma tributária do governo para o presidente da Câmara. Em seguida veio o choque de realidade quanto à situação fiscal do país a curto prazo. A ilusão de alívio fiscal proporcionada por tecnicalidades no cálculo do teto de gastos acabou durando menos do que esperávamos. Em um curto espaço de tempo vimos o governo propor aumento de gastos com programas sociais às custas da responsabilidade fiscal e um calote no pagamento dos precatórios previstos para o ano que vem. Concomitante, as relações entre o governo e outros poderes, em especial o STF, vinha se deteriorando perigosamente no início do trimestre, agravando a crise institucional. O pior momento desta crise foram as declarações do Presidente no dia 07 de setembro e as duras respostas de representantes dos demais poderes, que se seguiram.

Presidente Bolsonaro falando ao microfone com uma multidão ao fundo escutando seu discurso

Presidente Bolsonaro falando ao microfone com uma multidão ao fundo

Tudo isso ainda foi complementado por reiteradas ameaças de greves de caminhoneiros, altas dos índices de inflação e depreciação do Real. Não é de se espantar que o Ibovespa, que chegou a fechar acima dos 130 mil pontos no início de junho, encerrou o trimestre com uma queda de 12,5%, a 110.979 pontos, enquanto o Dólar subiu 9,5% no período. As curvas de juros também apresentaram forte volatilidade no período, com o DI futuro registrando altas relevantes em todas as seções da curva entre os fechamentos de junho e setembro, refletindo a piora tanto da inflação quanto do risco-Brasil.

Analisando o contexto, nos esforçamos para classificar estes acontecimentos entre ruídos de curto prazo e questões estruturais e mudanças de cenário de longo prazo. Neste sentido, a questão fiscal se tornou, novamente, a principal preocupação para o desenvolvimento econômico brasileiro, em meio à quebra de confiança gerada pelas propostas de renegociação de dívidas da união (precatórios) e flexibilização do teto de gastos. Embora tenhamos deixado claro na nossa última carta que o aparente alívio fiscal percebido até então era uma reles tecnicalidade e que o crônico problema brasileiro estava longe de ser solucionado, devemos admitir que não esperávamos que a saúde fiscal se tornasse uma questão tão relevante em tão pouco tempo. Mas o ambiente doméstico é apenas parte desta história. A piora no cenário internacional desempenha um papel crucial na maneira como nós passamos a enxergar esta questão no curto prazo.

A grande aposta

A grande aposta do mercado, e a nossa também, era que a normalização das cadeias de produção globais seguiria impulsionando o crescimento econômico mundial e fornecendo um pano de fundo construtivo para a economia brasileira. Assim, com um bom crescimento do PIB, o problema fiscal brasileiro seria maquiado no curto prazo por um bom momento econômico, favorável à balança comercial e a produção doméstica, proporcionando um alívio temporário nas taxas de câmbio e na inflação.

Embora este siga sendo o cenário base de boa parte dos gestores, a confiança do mercado na tese de recuperação econômica global foi abalada por fatores relevantes que se intensificaram ao longo do trimestre. Dentre eles destacam-se a piora nas cadeias de suprimento, a crise energética que elevou o custo da energia, do petróleo e do gás natural em todo o mundo e a instabilidade da economia chinesa, que vem enfrentando apagões energéticos e problemas de alavancagem corporativa, sobretudo no setor de construção civil. Destes, os dois primeiros agravam a situação da inflação global, favorecendo uma antecipação e/ou uma intensificação da política monetária contracionista, em especial nos Estados Unidos, onde a inflação tem se mostrado maior e mais duradoura do que o Federal Reserve previa.

Atual presidente do FED: Jerome Powell

Atual presidente do FED: Jerome Powell

Diante de um cenário internacional mais desafiador, e um ambiente doméstico conturbado e um aparente abandono das políticas econômicas reformistas liberais, prevalece a realidade estrutural brasileira. Um país de baixa renda per capta, com enorme dificuldade de crescer e um ambiente tributário, trabalhista e regulatório absolutamente hostil ao empreendedorismo e à produção de riqueza. Na nossa visão, é a combinação entre os nossos problemas estruturais crônicos com um cenário externo mais desafiador que fizeram o mercado rever a precificação dos ativos da economia brasileira.

O desafio econômico

Assim, caminhamos para o último trimestre de 2021 com uma revisão do cenário de curto a médio prazo. Melhor dizendo, uma revisão das simetrias de risco e retorno nos ativos do mercado. Enxergamos um ambiente econômico global mais desafiador, sobretudo em função da demora da normalização das cadeias de suprimento e a inflação do mundo desenvolvido. Nossa visão é que o risco da situação se agravar, com o desabastecimento de cadeias produtivas se prologando e/ou se alastrando para outros setores da economia, é substancialmente maior hoje, do que ao final do primeiro semestre. Além dos impactos diretos à atividade econômica, esta possibilidade carrega sérios riscos à estabilidade do sistema financeiro internacional.

Grande Industria, com chaminés soltando fumaça

Grande Industria, com chaminés soltando fumaça

Contudo, vale salientar que grande parte dos riscos citados aqui, domésticos e internacionais, já foram incorporados nos preços de alguns ativos. Enquanto nos países desenvolvidos a escassez de ganhos reais ainda impulsiona a alocação de capital no mercado acionário (o que se chama de “TINA”[1]), as bolsas de países emergentes já passaram por correções importantes, seja por serem mais sensíveis à uma reversão das políticas monetárias expansionistas do Fed, seja por uma piora nos termos de troca, ou impulsionadas por questões idiossincráticas relacionadas à política e riscos fiscais.

No Brasil, nossos próprios problemas reforçaram o movimento de correção na B3. Como consequência. muitas ações de empresas brasileiras já estão extremamente descontadas, em alguns casos não apenas com relação à sua capacidade de geração de caixa ou de lucro líquido no futuro, mas em ao ponto de estarem sendo negociadas prevendo a ocorrência de prejuízos no futuro. Muitas destas ações são de empresas que são muito bem posicionadas no mercado, com marcas fortes, com situação financeira sólida e que tem apresentando bons resultados, ao longo do ano.

Delicada Travessia

Estamos no meio de uma delicada travessia entre o caos da paralisação econômica e a “volta à normalidade”. Neste ponto a instabilidade é maior: somos confrontados com o choque entre uma demanda superaquecida (consequência direta da expansão monetária trilhonária dos bancos centrais nos últimos 20 meses) e uma produtividade ainda debilitada, devido a baixo investimento, falta de mão de obra e outras consequências da pandemia. Os últimos acontecimentos podem ter abalado a travessia, nós ainda seguimos.

Com o aumento do risco cresce a importância da estratégia e de um processo de investimento criterioso. Riscos são mais perigosos para os investidores quando são ignorados. A clareza sobre os problemas do país, a consciência da fragilidade da retomada econômica e dos riscos para a economia global e os mercados tem um lado positivo para quem investe hoje tendo em mente um horizonte de tempo mais longo.

 

 

[1] TINA = There Is No Alternative, ou “não existe alternativa”, remete ao cenário onde investidores não enxergam alternativas à bolsa para obter retornos atraentes, especialmente nos EUA.

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