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O que está acontecendo no mercado?
A visão da Scopo sobre o que está acontecendo, cenários e o que fazer daqui pra frente.
Enquanto escrevo estas linhas, a bolsa de valores brasileira (B3) acaba de acionar o circuit breaker pela segunda vez em uma única semana. O mecanismo é acionado quando o Ibovespa cai 10% ou mais durante o pregão.
A volatilidade dos mercados está muito alta. O Ibovespa, por exemplo, chegou a fechar muito próximo dos 120.000 pontos em janeiro. Hoje, menos de dois meses depois, está abaixo de 83.000, representando uma queda de mais de 30% desde as máximas do ano. No pregão de ontem, o Ibovespa subiu 7,16%, a maior alta em um único dia desde 2009, mostrando a dificuldade dos mercados em compreender o cenário e precificar os ativos.
Os preços dos ativos financeiros já vinham respondendo negativamente às notícias sobre o novo coronavírus desde janeiro, mas a maior parte do impacto só foi sentida por aqui na volta do carnaval. No dia 26 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, o Ibovespa fechou com queda de 7%, atribuída principalmente ao aumento dos casos de coronavírus e seus impactos na economia global.
Em vários países asiáticos e europeus foram decretados recessos escolares, eventos foram postergados ou cancelados, jogos de futebol passaram a ser realizados com portões fechados, voos foram cancelados e cidades inteiras foram colocadas em quarentena para evitar a proliferação da doença. A incapacidade dos sistemas de saúde da maioria dos países em lidar com o surgimento de uma epidemia de maneira tão repentina agrava ainda mais o cenário.
Tudo isso, obviamente, tem impacto direto na atividade econômica e no preço de importantes commodities, como combustíveis e alimentos. O comércio internacional, o turismo e atividades empresariais também são diretamente afetados. O que tem preocupado os mercados são justamente os possíveis impactos da epidemia e seus os desdobramentos secundários e terciários para a estabilidade do sistema financeiro internacional.
Complicando ainda mais o cenário econômico, deflagrou-se no início do mês uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia, no mercado de petróleo. Os dois importantes players deste mercado romperam uma aliança em vigor desde 2016, após um impasse acerca da proposta de redução da produção de petróleo pela Opep (cartel dos produtores de petróleo globais, liderado pela Arábia Saudita).
Como consequência, o preço do barril de petróleo, que já vinha caindo como consequência da redução da demanda por causa do corona vírus, despencou mais de 24% em um único dia, trazendo temores quanto aos ativos de empresas ligadas ao setor.
Tratarei de analisar, a seguir, os possíveis impactos desta crise e suas consequências para a economia e os preços dos ativos financeiros. Em seguida, falarei sobre como lidar com sua carteira de investimentos para atravessar estes mares turbulentos da melhor maneira possível.
Cenário I: Epidemia se dissipa sem grandes consequências de médio prazo
Uma possibilidade é que a pandemia do corona vírus seja controlada nos próximos meses sem provocar grandes danos econômicos de longo prazo. Do ponto de vista médico/biológico, não temos capacidade de avaliar as chances de a pandemia ser contida pelas medidas adotadas por governos e pela OMS, embora nos pareça pouco provável. Tampouco temos condições de prever o surgimento de vacinas eficazes contra o vírus. Acredito, inclusive, que ninguém pode afirmar isso com convicção neste momento.
Quanto à possibilidade de os impactos econômicos do Covid-19 se limitarem ao curto prazo, acredito que esta seja uma chance remota. Para que este cenário se concretize, a pandemia deve ser contida nos próximos meses, sem grandes consequências para as populações afetadas, como piora nas taxas de mortalidade ou caos nos sistemas de saúde dos países afetados. Em seguida, é preciso que a situação caminhe para uma solução mais definitiva dentre de no máximo 4 meses.
Caso isso aconteça, haveria uma retomada da atividade econômica à medida em que a situação na área da saúde fosse melhorando. Poderia haver, ainda, um “efeito mola”, com o valor dos ativos e indicadores econômicos respondendo rápido ao retorno de uma demanda até então represada.
Os mercados voltariam, então, ao cenário anterior da crise. Com a retomada da atividade econômica os resultados corporativos voltariam a melhorar, após o curto período de queda na atividade econômica, trazendo alívio para os mercados e investidores.
Contudo, mesmo antes do aparecimento do Covid-19, já havia ameaças à economia global e à estabilidade do sistema financeiro internacional. Assim, mesmo com a pandemia se encaminhando para um desfecho positivo, o cenário econômico internacional ainda não estaria isento de desafios. Nas economias mais desenvolvidas, o grande problema está no fardo do elevado endividamento, tanto no setor público, quanto no privado, especificamente no mundo corporativo.
No Brasil, o desafio é a aprovação das reformas necessárias para dar maior dinamicidade e competitividade à economia nacional, fundamentais para a retomada de um crescimento econômico mais saudável e a o aumento da renda.
A seguir discorro mais detalhadamente sobre estes fatores e quais os possíveis impactos para os mercados globais, inclusive o Brasil.
Cenário II: A fagulha
Para entender este cenário é preciso voltar aos anos que se seguiram após a Grande Crise Financeira de 2008 (GFC, na sigla em inglês). Para salvar o sistema financeiro, então à beira de um colapso, governos e bancos centrais do mundo desenvolvido nacionalizaram bancos e compraram ativos financeiros, como títulos públicos, títulos de crédito corporativo e até ações, injetando liquidez (dinheiro) no mercado e reduzindo drasticamente as taxas de juros.
A esperança era que o estímulo monetário fosse suficiente para contrabalancear as forças que destruíam o prospecto econômico, como redução de investimentos, cortes de empregos, redução da poupança e do consumo.
A instituição financeira mais poderosa do mundo, o Federal Reserve (banco central dos EUA), injetou mais de 4,5 trilhões de dólares na economia entre 2008 e 2015. Mas o Fed não foi o único. O Banco Central Europeu, o Banco Popular da China, o Banco do Japão, dentre outros, injetaram mais de 15 trilhões de dólares no mercado e reduziram suas taxas de juros a zero (ou bem próximo disso), durante a maior parte dos anos que se seguiram à quebra do Lehman Brothers.
As medidas eventualmente surtiram efeito, a depressão econômica se transformou em recessão e, de maneira desigual, os países mais afetados pela GFC foram lentamente retomando o crescimento. Mas o problema com esse tipo de solução é que ela é como uma droga poderosa, e perigosa, que pode causar dependência. Durante os últimos 10 anos, boa parte da atividade econômica global se fundamentou na crescente abundância de crédito fácil e barato.
Em 2015 o Fed decidiu parar os estímulos monetários e começou a subir as taxas de juros lentamente. No final de 2018, quando as taxas do Fed chegaram a 2,5% ao ano, ficou claro que a saúde do sistema financeiro e da economia americana ainda dependia dos estímulos monetários. O Fed voltou atrás e cortou os juros para menos de 2% já no início de 2019. O Banco Central Europeu vem mantendo sua taxa de juros em 0% desde 2016.
Taxas de juros mantidas artificialmente em patamares tão baixos por um longo período tendem a gerar uma infinidade de distorções nos mercados. Aplicações em títulos de renda fixa mais seguros, passam a render muito pouco. Investidores se voltam naturalmente para aplicações mais arriscadas, como ações e títulos de crédito do segmento high-yield (que se traduz “alto retorno”, um nome mais comercial do que o mais apropriado “alto risco”).
A maior demanda por ativos arriscados gera um aumento generalizado nos seus preços. Os dividendos e cupons pagos por ações e bonds que há alguns anos seriam considerados baixos demais para aquele patamar de risco, passam a ser atrativos num cenário de juros próximos de zero. Não por uma melhora no fundamento destes ativos, mas porque as alternativas, os ativos mais seguros, simplesmente não rendem nada.
No segmento corporativo, o crédito necessário para financiar os investimentos e o capital de giro das empresas se torna mais barato, a ponto que empreendimentos que há poucos anos seriam descartados, passam a ser realizados. Empresas que nunca geraram nenhum lucro e que possuem pouca perspectiva de gerar retorno para seus acionistas, passam a conseguir aportes bilionários de fundos de venture capital e IPO’s.
O dinheiro que não vem em forma de equity (capital próprio, dos donos da empresa) é coberto através de linhas de financiamento extremamente baratas, com prazos longos e juros baixos. Empresas altamente endividadas, que em condições normais fechariam suas portas, passam a conseguir refinanciar suas dívidas, já que os juros que bancos e investidores exigem para emprestar para essas empresas não é mais tão alto.
Mais uma vez, não necessariamente porque estão produzindo mais, ou melhor, mas porque o rendimento dos títulos mais seguros é muito baixo. Além disso, o crescimento econômico global, tem sido suficiente para manter essas empresas em atividade, honrando suas dívidas e até obtendo algum lucro.
Há quase 12 anos, a economia global vem crescendo nestas condições. Neste período, temos vários indícios das distorções apontadas acima. Trilhões de dólares foram investidos em títulos que pagam juros negativos. O S&P 500, índice de ações norte-americanas, mais do que dobrou de valor desde sua máxima histórica em 2007 (pré-crise). Em importantes economias desenvolvidas, o índice de endividamento do segmento das empresas mais endividadas, está no maior patamar da história.
Este cenário criou um delicado equilíbrio entre as ameaças escondidas nas políticas monetárias agressivas implementadas pelas principais autoridades monetárias mundiais e o crescimento econômico real (investimentos, poupança, consumo, emprego, renda, comércio, etc.). Enquanto houver crescimento econômico suficiente, não haverá grandes ameaças ao sistema financeiro e à economia global. É como resolver um problema sentando em um barril de pólvora. Basta ninguém acender um isqueiro, que ficará tudo bem.
O plano e a solução dada funcionaram relativamente bem durante cerca de 11 anos. Até que surgiu o corona vírus. A epidemia que começou na cidade de Wuhan, na China, e se espalhou rapidamente pela Ásia, Oriente-Médio e Europa, onde o país mais afetado é a Itália (importante player econômico da região), que chegou a decretar quarentena em todo o seu território. Se alastrou para Estados Unidos e Brasil, enquanto os casos de infectados não pararam de aumentar em todos os países, forçando a OMS a classificar o corona vírus como uma pandemia.
Se os efeitos negativos do corona vírus na atividade econômica global persistirem por tempo suficiente, o delicado equilíbrio de condições necessário para a estabilidade econômica pode ser abalado. Seja por empresas em dificuldade de pagar suas dívidas frente a uma queda abrupta de suas receitas, ou por qualquer outro motivo, as consequências econômicas do Covid-19 podem ser o estopim que deflagra uma recessão global, ou algo ainda mais severo.
Neste cenário, o Brasil certamente não passaria ileso. Os preços dos ativos podem apresentar uma elevada volatilidade por algum tempo. A economia nacional crescerá menos do que o esperado em 2020 e possivelmente em 2021 também.
Mas se o governo fizer a lição de casa e conseguir implementar as reformas estruturais necessárias para a retomada do crescimento de maneira sustentável, baseado em ganhos de produtividade e competitividade, o Brasil pode despontar como uma importante força econômica a médio e longo prazo (mais de 2 anos).
Infelizmente para nós, mais uma vez a saúde da economia brasileira reside em grande parte na capacidade da classe política fazer a coisa certa. A maior ameaça à nossa economia, pelo menos a longo prazo, não parece ser a pandemia, mas nossa incapacidade de lidar com nossos próprios problemas estruturais.
Diante disso, o que fazer?
Eu não sei o que vai acontecer. Nem você, ninguém sabe. É impossível adivinhar o futuro. O primeiro passo para entender o que fazer diante deste cenário é entender e se conformar com isto.
Montar e gerenciar uma carteira de investimentos de longo prazo (10 anos ou mais) não é uma tarefa de adivinhação. É impossível prever quando (e se) uma vacina eficiente contra o Covid-19 estará disponível em larga escala no mercado. Pode ser em um mês, ou em três anos. Assim como já tivemos H1N1, SARS e Covid-19, para citar alguns casos recentes, quem pode afirmar que uma nova pandemia não surgirá novamente nos próximos 10 anos? É impossível prever.
Tentar adivinhar como vai ser o futuro é uma tarefa ingrata e pouco eficaz, inclusive na área de investimentos. Uma vez que entendemos isto, podemos dedicar toda a nossa atenção e o nosso tempo às medidas e estratégias eficientes para se enfrentar momentos adversos.
Sempre defendemos, antes de mais nada, uma diversificação estratégica da carteira de investimentos, de acordo com o perfil e os objetivos de cada investidor. Esta é a primeira proteção contra crises. Se não acreditássemos que um momento como este fosse possível, teríamos sugerido a todos os nossos clientes que investissem 100% do seu dinheiro em fundos de ações.
Quem segue uma boa estratégia de investimentos já tem uma alocação em renda variável adequada ao seu perfil de risco (conservador, moderado ou agressivo). Para estas pessoas, este é o momento de agir racionalmente e aproveitar as oportunidades disponíveis no mercado, avaliando sempre os riscos e a adequação aos seus objetivos.
O capital humano, físico, financeiro e intangível das empresas brasileiras não foi afetado pelo Covid-19. São os mesmos gestores, as mesmas pessoas, as mesmas máquinas e instalações, know-how e marcas. Muitas das empresas negociadas na B3 já passaram por dezenas de crises como esta ao longo de sua história, mais ou menos graves, e saíram ainda mais fortes delas. Não há como saber em que momento as ações irão parar de cair e voltar a subir, ou em que ponto “já caiu demais”. A melhor maneira de se enfrentar momentos como este é com uma boa estratégia investimentos.
Hoje os mercados estão derretendo. Mas qual o impacto disso para as maiores e melhores empresas do Brasil e do mundo a longo prazo? Se resistirmos à tentação de tentar prever o futuro, podemos avaliar cenários possíveis de maneira mais racional. No curto prazo, sem dúvida a pandemia fará com que a atividade econômica seja menor.
Para as empresas, de um modo geral, isto significa menores receitas, lucro e geração de caixa piores. Mas e depois? Convido-os a uma reflexão: a epidemia será controlada algum dia? Se você acredita que não, então a volatilidade do mercado é a menor de suas preocupações. As discussões acerca deste cenário envolvem bunkers subterrâneos com filtros de ar e estoques de alimentos não perecíveis.
Se acredita que sim, então o que acontecerá com as empresas mais sólidas? As com as melhores marcas, máquinas e pessoas e que possuem os índices financeiros mais saudáveis, baixo endividamento e alta capacidade de geração de caixa? Quando se investe em ações, visando o longo prazo, é isso que temos que avaliar.
Nossa recomendação é não investir pensando que “amanhã vai subir”. A situação ainda deve piorar antes de começar a melhorar. Os casos divulgados de Covid-19 são como um retrato do passado. Refletem o número de pessoas que contraíram a doença há cerca de uma ou duas semanas.
Isso significa que o número de pessoas infectadas é sempre muito maior do que o divulgado, pelo menos até que a epidemia local seja controlada. Os dados sobre os impactos econômicos ainda não começaram a sair e não é possível prevê-los com segurança hoje. O risco de colapso dos sistemas de saúde dos países menos preparados não é pequeno. Dependendo do impacto econômico e da duração da pandemia, a crise econômica pode ser ainda mais severa.
A impressão é que os mercados já estão precificando boa parte destes riscos. Ainda assim, não se pode afirmar com certeza que o pior já passou para as bolsas mundiais. Mas se sua estratégia está adequada ao seu perfil e aos seus investimentos, o cenário atual é de oportunidades de investimentos. Mesmo diante das incertezas acerca do futuro próximo.
Nos últimos 100 anos o mundo passou por incontáveis crises. Guerras, revoluções, epidemias, crises financeiras e de todo o tipo. Todas elas pareceram, para a maioria daqueles que as viveram, intimidadoras e até insuperáveis. Eventualmente, todas foram superadas.
Se se confirmar, esta não será a primeira crise que enfrentaremos. Muito menos a última. A receita para enfrenta-las é uma boa estratégia de investimentos e uma gestão ativa do portfólio. Para aqueles que se planejam financeiramente, pode ser um momento de oportunidades. Em todos os casos, conte conosco para avaliar a melhor estratégia para você.
Lucas Vidigal
Scopo Finanças Pessoais,
11 de março de 2020.